A diferença entre desejar e querer sexo em um relacionamento estável



Assim como um idioma, o sexo é uma linguagem que precisa ser aprendida entre um casal que pretende permanecer junto. Existem similaridades fantásticas entre a sexualidade e um idioma, pois ambos precisam ser aprendidos e incorporados ao repertório de comportamentos que possuímos, e consiste em uma espécie de diálogo entre duas pessoas, compreendendo limites, símbolos e intenções.

E assim como ninguém nasce sabendo falar um idioma, precisando aprendê-lo no decorrer da vida, também é com a sexualidade. Engana-se quem pensa que só aprendemos sobre sexo com o nosso primeiro ato sexual: aprendemos sobre sexualidade desde muito jovens, seja em casa, na escola, ou mesmo com as experiências juvenis com nossos parceiros.

Lá em mil novecentos e bolinha, um médico vienense começou a estudar a influência dos desejos sexuais na formação da nossa personalidade, desenvolvendo uma teoria que viria a ficar conhecida como psicanálise – este médico era ninguém menos que o famoso Sigmund Freud. Não vou entrar no mérito das teorias freudianas, até porque não sou psicanalista, mas queria mostrar que esta temática é de interesse de correntes da psicologia há mais de 100 anos.

Há alguns dias eu escrevi um texto que “bombou” no Facebook (Eu transo demais, tu transas “de menos”, nós temos um problema), e senti a necessidade de complementá-lo com este, por conta de algumas demandas que surgiram em meu trabalho como psicoterapeuta de casais durante essas semanas. A questão é: porque no começo de um relacionamento nós sentimos um grande desejo sexual pelo parceiro, mas depois de algum tempo essa coisa vai diminuindo? E o que fazer se um parceiro tem mais desejo sexual do que o outro? O que fazer se ela/ela quer transar e eu estou sem vontade?

O objetivo destes textos é que possamos começar a desenvolver uma sexualidade mais saudável num relacionamento estável, e por isso eu gostaria de compartilhar alguns princípios que tenho percebido entre casais que conseguiram amadurecer esta questão.

O sexo não precisa ser um grande evento

Muita gente precisa tirar Holywood da cabeça quando se trata de sexo: algumas pessoas romantizam demais o tema, outras pornotizam demais... lembremos que excessos quase sempre são prejudiciais à saúde. O ato sexual é pintado por filmes românticos, muitas vezes, como algo lindo, romântico, com velas, flores, etc, fomentando um ideal de beleza que muitas vezes não está presente no dia a dia – geralmente o ato sexual é composto por duas pessoas suadas, ofegantes, em posições difíceis, às vezes um pouco fora de forma e fazendo caretas não muito bonitas. Precisamos voltar à realidade! Quanto mais tempo um casal passa junto, mais ele tende a encarar a sexualidade como algo natural – note que não quero dizer que o sexo precisa ser “desmanzelado”, mas também não precisa ser o ápice da fantasia.

O casal deve se preocupar com a estética? É claro que sim! Mas nem sempre o ato sexual vai ser composto por lingeries, velas aromáticas e apetrechos comestíveis para alegrar o casal! O sexo é troca de fluídos, e também precisa ser percebido para fora dos padrões românticos e/ou pornográficos.

O sexo precisa ir além do egoísmo

O sexo é para o casal, não somente para uma pessoa (para isso existe a masturbação)! Ou seja, deve ser uma atividade prazerosa, de modo que ambos se beneficiem dele. Desta feita, é preciso que um parceiro comece a se preocupar também com o prazer do outro, e não somente com o seu próprio, descobrindo quais são as posições que o outro prefere, quais são as zonas do corpo do outro que lhe geram prazer, se este possui algum fetiche que pode ser saudavelmente atendido (porque tem algumas coisas que passam do limite do saudável), dentre outras coisas.

E aqui entra um ponto importante: NINGUÉM DEVE SER FORÇADO A NADA NUM ATO SEXUAL! O sexo deve ser consentido, senão entra-se na esfera da violência sexual – sim, isso acontece mesmo entre casais, violência sexual não é somente quando um desconhecido estupra uma pessoa na rua. Logo, preocupar-se com o bem estar de uma pessoa e saber a hora de parar quando o outro solicitar, isso é o básico do básico e precisa ser ensinado.

Mas aqui entra um ponto polêmico: nem sempre você terá desejo sexual, nem sempre seu parceiro terá desejo sexual, e quanto mais tempo passa em conjunto, mais dificuldade o casal terá para combinar o desejo dos dois parceiros. Aí que entra um problema que culmina na diminuição da freqüência sexual do casal: se o casal fizer sexo somente quando combinarem os desejos sexuais dos dois parceiros ele terá dificuldades. Lembre-se, desejo é algo que precisa ser construído, cultivado, e às vezes é preciso que saiamos do nosso egoísmo de transar somente quando estou com desejo, deixando o parceiro “na seca”. O sexo é para mim, mas também é para o outro. O sexo pode ser prazeroso mesmo sem o desejo, desde que seja consentido!

“Nossa, Murillo, você está dizendo que eu devo transar mesmo se eu não quiser?!” NÃO! Preste atenção: desejar é uma coisa, querer é outra! O desejo está em uma esfera muito mais profunda da experiência psicológica humana do que o simples “querer”. Veja bem: assim como o sono e a nutrição, a sexualidade é também uma necessidade fisiológica básica (veja Abraham Maslow, famoso psicólogo estadunidense que já dizia isso desde a década de 1950), e nestes termos, certa freqüência precisa ser aprendida. Nem sempre você terá fome, mas precisará comer para se manter saudável, ou às vezes você terá desejo de comer pizza, mas só terá miojo – você pode até comer o macarrãozinho para matar a fome, mas não ficará feliz porque a sua vontade de comer estava focada na pizza.

Ou seja, você pode não desejar, mas querer fazer sexo. E isso é algo a ser aprendido entre casais. O problema é que temos vivido uma avalanche de conceitos que bombardeiam as nossas mentes sobre o que o sexo deve ser, e assim não conseguimos, muitas vezes, separar o sexo ideal do sexo real. Note bem, NÃO ESTOU DIZENDO QUE VOCÊ DEVE TRANSAR QUANDO NÃO QUISER, só estou mostrando que existe uma diferença entre desejar algo e querer algo, e situando isso na esfera da sexualidade. Se você reclama que seu parceiro só quer se satisfazer na hora do sexo, pensando que ele é egoísta, pense se você também não é quando acha que só deve fazer sexo quando você deseja. O sexo, em um relacionamento maduro, deixa de ser da esfera da vontade individual para entrar na esfera da vontade do casal, e por isso, é preciso desenvolver o seguinte ponto, da...

...frequência sexual

É preciso que os casais tenham um momento para conversar sobre sexo e perceber com que freqüência eles sentem a necessidade de fazer sexo. Algumas pessoas querem fazer todos os dias, outras três vezes por dia, algumas uma vez por semana, outros duas – não há uma regra, mas deve sempre haver diálogo.

Também existe expectativa do casal a respeito de como será a vida sexual, então eles precisam entender como funciona a freqüência do desejo do outro, e de que forma conseguem “negociar” meios termos no que diz respeito a um relacionamento onde um gosta de transar demais e outro “de menos”. Essa conversa serve para que os parceiros aprendam um com o outro sobre de que forma eles podem se estimular sexualmente, entender os sinais que cada um tem quando deseja transar ou não transar, dentre outras coisas. Não existe dificuldade que seja intransponível ao diálogo.

Você também pode procurar ajuda profissional para tratar com essa dificuldade, caso você sinta que já não possui mais recursos para lidar com isso sozinho(a). Um profissional da psicologia pode auxiliá-lo a compreender a dinâmica do comportamento sexual do casal e propor alternativas para uma vida mais feliz. Entre em contato conosco! :)

Um casal maduro entenderá que, como tudo na vida, também haverá momentos em que se frustrará sexualmente, mas que com um pouco de paciência, diálogo e respeito mútuo, conseguirá superar tais frustrações. Todo ato sexual saudável deve ser um diálogo entre dois corpos e duas mentes, e como todo diálogo, possui fases, e precisa ser cultivado – ou seja, o sexo começa muito antes do ato sexual, então, tenha sensibilidade para começá-lo antes mesmo de tirar sua roupa.
-------

Sobre o autor:
Murillo Rodrigues dos Santos, psicólogo (CRP 09/9447) graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Brasil), com formação em Terapia de Casais e Famílias pela Universidad Católica del Norte (Chile). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Possui formações em Gestão, Empreendedorismo e Políticas pela Fundação Getúlio Vargas (Brasil), Fundación Botín (Espanha), Fondattion Finnovarregio (Bélgica), Brown University (EUA) e Harvard University (EUA). Diretor do Instituto Psicologia Goiânia, psicólogo clínico e organizacional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pages